Os Retalhos de Uma Vida

A lua ainda brilhava lá fora quando ele acordou, sem entender ao certo se havia despertado ou se tudo isso não passava de mais um de seus sonhos loucos. À medida que seus olhos se acostumava com a escuridão, ele percebia os vários objetos, partes de sua vida, jogados pelo chão.
Primeiro, localizou a bateria desmontada, coberta por suas roupas sujas, e então lembrou-se de Kate, a garota punk holandesa que ele conheceu em um bar, e que, alguns dias depois, já estava morando em sua casa e convidando seus colegas de banda para "ensaiar" a madrugada toda em sua sala. Kate tinha 1,55m de altura, o que durante aquelas discussões barulhentas (que aconteciam com frequência), tornava-a impossível de ser levada a sério. Mesmo assim, ele sofreu quando ela foi embora, sem incluí-lo em seus planos. 
Depois, ele viu a bota verde de Lizzy, a garota "hippie-vegana-alternativa", que ele conheceu quando procurava alguém com quem dividir o apartamento. Ela pareceu normal quando falaram ao telefone, mas, naquele mesmo final de semana, quando ela pirou completamente após ele ter, por engano, colocado um pedaço de pizza de frango no pote onde ela guardava os "bolinhos-veganos", que tinham gosto de pelo de cachorro, ele percebeu que estava enganado. Tudo acabou com ele no pronto socorro após levar uma "botada" na cabeça e cair da escada. 
Os bolinhos fizeram-no lembrar do cachorro de Linda, que, com certeza, era a garota mais equilibrada de todas, apesar do seu narcisismo. Linda era a garota que você apresenta aos pais e leva ao cinema para ver o filme. Só sua companhia já bastava para que tudo fosse perfeito. Ele realmente achou, por muito tempo, que dessa vez daria certo, até descobrir que Linda o traía com o garçom do restaurante onde ele a pediu em namoro. Linda era uma babaca no final das contas, mas ela o deixou em pedaços.
Ele via todas as suas histórias soltas, esses pequenos retalhos de sua vida, sempre convergindo em um ponto, Jass, com quem ele dividiu bons momentos.Lembra de como eles riram após contar o curioso caso de Jackie, que, na verdade, estava mais para O Jack. Ou então de quando ele ligou no meio da noite para levar Susan ao hospital após sua reação alérgica. Jass esperou até que ela estivesse dopada com os remédios para rir e fazer uma piada sobre suas bochechas inchadas. Jass era assim, o tipo de pessoa que consegue desfazer todos os nós da sua cabeça, para depois sorrir e fazer um maior ainda.
Eles se amavam, apesar de não terem a necessidade de estarem juntos. Riam da ideia de se tornarem mais um clichê, um casal que anda de mãos dadas e divide o copo de milk-shake. Preferiam a liberdade que tinham, de ser quem realmente queriam ser, sem toda aquela ideia errada de que o amor é tentar ser alguém para o outro. Eram somente ele e Jass, um "Não-casal" em sua relação de amor. Amor em sua mais plena forma e que poucas pessoas conseguiam entender.
Ele olhou em volta mais uma vez, os objetos ainda espalhados pelo pequeno apartamento, mas eles já não pareciam mais ter tanta importância. Tornou seu olhar para a janela, a lua ainda brilhava, como um farol. Os fracos raios de luz prateada invadiam sua casa, trazendo-lhe finalmente a sensação de paz. E, então, deu um último sorriso, antes de desabar na cama e adormecer.
-Duda Fagundes

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